terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Pescando com os filhos de Lee Marvin, ou Tem um peixe no meu calção


Se algum cretino, por força do tédio, um dia aplicasse a John Lurie o velho ditado “diga-me com quem andas, que eu te direi quem és”, a resposta seria evidente. John Lurie anda com pessoas estranhas. Ele é um cara estranho.

E, como é de se esperar de pessoas estranhas que andam juntas, John Lurie e seus amigos se divertem de maneira muito pouco convencional, alguns diriam até idiota. Um bom exemplo disso é a sociedade semi-secreta fundada por Jim Jarmusch, da qual Lurie é um dos principais membros. Conhecida apenas como The Sons of Lee Marvin seu principal quesito de aceitação exige que o candidato tenha a estrutura facial parecida o bastante com a do ator Lee Marvin que pudesse passar por seu filho, ou pelo menos um primo distante. Sua principal atividade é a exibição de filmes estrelados por Marvin para uma seleta, e provavelmente muito drogada, platéia. Outros supostos integrantes incluem Tom Waits, Richard Bose, Nick Cave, Neil Young e Iggy Pop. Mulheres são proibidas de participar, sendo esta a maior causa de polêmica e discórdia entre o grupo. O verdadeiro filho do ator não pertence à sociedade e, provavelmente por recalque, não aprova muito a idéia, algo que deixou bem claro em um ocasional e pouco amigável encontro com Waits num dos muitos pé-sujos Californianos que o figurão rouco curte frequentar.

Mas já que não é bom ficar falando do segredo dos outros, ainda mais quando esses outros são completamente loucos e possivelmente violentos, cautelosamente desvio meu interesse para encontros muito mais públicos de John Lurie. Me refiro ao seriado sobre pescaria dirigido e estrelado por ele em 1991, sob o título bastante adequado, e um pouco debochado, de Fishing With John. Apesar de uma bizarra, mas extensiva, carreira no cinema, atuando em filmes de diretores como Jarmusch e Lynch, e compondo várias trilhas, como saxofonista dos psicodélicos Lounge Lizards, ele claramente não entende nada de direção televisiva, e muito menos de pescaria. Se você, como eu, se perguntou quem diabos financiaria uma idéia absurda dessas, mais uma vez a resposta é evidente: os japoneses, quem mais? Apesar do enorme sucesso na terra do sol nascente, e entre os americanos mais esquisitões, a série só durou seis episódios, nos quais John convidou alguns de seus amigos (dentre eles, dois “filhos” de Lee Marvin), que também não entendem patavinas de pescaria, para aventuras em lugares exóticos, atrás de peixes raros e perigosos.

A série é inspirada no clima bucólico dos programas de pescaria que passam nos canais americanos, em horários que pessoas como Lurie ainda não acordaram, ou ainda nem foram dormir. Até a narração à la Discovery Channel de Robb Webb seria extremamente enfadonha, se não fosse quase sempre completamente absurda. Durante uma sequência particularmente frustrante, em que Tom Waits e o protagonista esperam inutilmente que algum peixe morda suas iscas, sentados em uma peça de ferro velho flutuante no litoral da Jamaica, o narrador exclama, sem muito entusiasmo, que “existem peixes dentro d’água, mas quando eles não estão com fome, é impossível pegá-los”. Quando eles finalmente pegam um peixe e percebem que não tem aonde guardá-lo, Waits resolve que o lugar mais adequado para o bicho é dentro de suas calças. A verdade é que, como era de se esperar, pouquíssimos peixes são pegos durante toda a série. Poderíamos considerar que o objetivo do programa, como nas histórias edificantes em que pais levam seus filhos para pescar, seja fortalecer a relação de amizade entre Johnny e seus coleguinhas, não fosse pelo fato destes coleguinhas detestarem a experiência, e expressarem isso muito enfaticamente em diversas ocasiões. O único que parece realmente estreitar seus laços com o anfitrião, a um nível de intimidade e carinho que beira o homo erótico, é o surpreendentemente simpático Willem Dafoe, aquele com uma puta cara de vilão. Depois de uma trágica batalha contra o frio e a fome, os dois acabam morrendo juntos, em um final tão dramático quanto romântico. Lurie misteriosamente ressuscitaria na Tailândia para os dois episódios seguintes, aonde embarca em uma aventura mística a procura da lendária lula gigante, junto com ninguém menos que Dennis Hopper, que aliás também tem uma puta cara de vilão.

O programa talvez seja apenas uma boa maneira que John Lurie encontrou pra que alguém bancasse suas viagens de pesca, mas assistir a ele e Jarmusch tentando pegar um tubarão usando apenas uma fatia de queijo e uma pistola já é um bom motivo pra assistir. Um bom motivo pra não assistir é a participação extremamente sacal do chatérrimo Matt Dillon. Enquanto Lurie tenta desesperadamente tornar a viagem deles na Costa Rica um pouco mais interessante, o narrador comenta sarcasticamente que “parece que este vai ser um dos melhores episódios”.

Mas e agora, depois desta audaciosa e violenta guerra contra os elementos da natureza e do bom gosto, por onde e com quem anda John Lurie? Ele anda bastante solitário, isolado em seu apartamento, tentando se recuperar de uma misteriosa doença supostamente causada pelo uso de drogas injetáveis. Além da música e do ocasional trabalho como ator, resolveu agora virar pintor, algo que ele diz estar salvando sua vida. Suas pinturas, de qualidade bastante questionável, são algo entre a arte naif, o surrealismo e o infantilóide. A mais famosa chama-se Bear Surprise, e retrata um casal sendo surpreendido por um urso enquanto transam numa clareira. O urso, com os braços levantados, grita “Surprise!”. Este trabalho alcançou enorme sucesso entre os internautas russos, sendo reproduzido e recriado em camisetas, bonés e fotos de sacanagem. Mesmo sozinho, John Lurie continua sendo muito estranho.

- lucas formaggini

com tom waits:

parte 1


parte 2


parte 3

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