terça-feira, 30 de dezembro de 2008

contando causos de El Cohen


(a idéia é que este seja um segmento aberto e continuo do blogue. portanto, se você, caro leitor, tiver algum causo, real ou inventado, sobre Leonard Cohen, é só me mandar que postarei aqui)

1. O jovem poeta caminha rápido pelas ruas brancas do inverno de Montreal. Suas mãos procuram o abrigo mais próximo, nos bolsos do grosso e elegante sobretudo, prova da boa herança financeira e estética deixada por seu pai, que fora dono de uma bem sucedida loja de roupas da cidade. Os sons dos seus passos param secos no espaço, congelados a poucos metros de seus pés pelo frio que solidifica o próprio ar. Seus pensamentos procuram o calor de abrigos mais distantes: a Jerusalém das velhas escrituras, a Espanha de García Lorca, o corpo de uma boa mulher.

De repente, estas visões se dissipam no vapor condensado da respiração, e Cohen se vê diante de um oasis entre o cinza arquitetônico da cidade: um grande prédio de colunas brancas que, ao contrário do branco que cobre as ruas, se movem como gaivotas, ondas, velas de barcos. O prédio, na Place du Frère André, é o National Bank of Greece, e a maresia que sua construção evoca convida ele a entrar.

Dentro do banco, uma cena surreal contrasta com o rigor ártico que ameaça derrubar a porta. Um funcionário de cabelos negros e pele morena, vestindo roupas leves e grandes óculos escuros, sorri como se visse em sua frente, no lugar do caixa e de um embasbacado judeu canadense, o mar mediterrâneo banhado pelo sol. O judeu canadense, completamente agasalhado e embasbacado, olha com inveja a imagem da areia, das ondas e das pequenas navegações imaginadas, refletidas nas lentes escuras dos óculos do bancário.

Alguns dias depois, com US$ 1.500 recebidos como herança da sua avó, Cohen comprou uma casa sem luz nem encanamento, a 10 minutos do Mar Egeu, na Ilha de Hydra, na Grécia, onde morou por vários anos.

2. Um Rufus Wainwright adolescente e ainda completamente desconhecido faz uma visita à sua grande amiga, Lorca. Apesar de se conhecerem há vários anos, é a primeira vez que ele visita sua casa, e ela o recebe na porta com um abraço apertado e um beijo, que ele devolve nervoso e desajeitado. Não é a falta de intimidade nem o excesso de cerimônia que deixam ele sem jeito, mas a perspectiva de que em algum lugar dentro daquela casa está um de seus maiores ídolos, um nome que ele ouviu ser dito com reverência tantas vezes enquanto crescia em Montreal e que, por acaso, é o pai de sua amiga: Leonard Cohen.

Enquanto Wainwright é guiado em um tour pela casa, prepara-se para a qualquer momento se deparar com a figura clássica, provavelmente vestida com um elegante terno preto, que conhece tão bem das capas de discos e livros na sua estante. O senhor que eles encontram na cozinha não poderia ser mais diferente do esperado, mas é a imagem perfeita de tudo que aqueles livros e discos contém.

Enquanto prepara um miojo no fogão, Cohen está sentado de cueca, em frente à mesa sobre a qual se encontra um prato de mini-salsichas. Ele segura delicadamente um pequeno pássaro ferido, provavelmente caído do ninho, em uma das mãos, enquanto morde pequenos pedaços de salsicha e tenta dá-los de comer ao bichinho em um palito de dentes.

Ele desvia sua atenção do pássaro por um instante para cumprimentar o amigo de sua filha, depois conversa amigavelmente enquanto come seu miojo. Pedindo licença, o senhor seminu se levanta e deixa a cozinha com o passarinho na mão. Alguns minutos depois, ele reaparece, vestindo um elegantíssimo terno Armani, se despede, e sai.

- lucas formaggini

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