terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Sim, eu aceito


(estas primeiras três postagens são antigas, recicladas do site dogs and pigs. de lá pra cá, eu e a annie já nos divorciamos, mas ainda damos umas escapadinhas ocasionais.)

O título do disco de estréia de Annie Clark (aka St. Vincent), Marry Me, pode parecer, para aqueles que não possuem uma imaginação tão perigosamente fértil, uma simples provocação, mas no mundinho contaminado em que habitam meus desejos mais primários, trata-se claramente de um pedido, um pedido direcionado diretamente a mim, ao qual correspondo com um sonoro “só se for agora!” “Meu filho, mas você é tão jovem. E vocês acabaram de se conhecer. Não quer esperar um pouquinho? O segundo disco pelo menos?” Não! É pra isso que existe o divórcio. E se alguém tiver algo contra, que fale agora, ou cale-se para sempre... Ninguém? Mamãe? Ok, então podemos prosseguir. Mas antes, acho que devo mesmo explicações sobre tão repentino matrimônio. Afinal, não faz nem três dias que conheço a menina. Bom, em primeiro lugar, ela é muito bonita. E mente quem disser que isso não conta. Uma beleza estranha, macabra, quase alienígena. Do tipo que um dia emoldurou entidades insólitas como Elis Regina e Nico. Ok, talvez eu esteja exagerando, mas a paixão não é feita mesmo de ilusões? Aliás, taí mais um motivo: no seu EP de estréia, anterior ao disco em questão (tá vendo mamãe, ela tem mais de um disco!), a moça gravou um cover de These Days, colhido da árvore do conhecimento do bem e do mal que é Chelsea Girls, da Deusa Nico. Audaciosa, talvez, mas muito corajosa. Desculpe, seu padre, eu sei que é heresia. Não, eu não quero vestir a sua batina. Eu já deixo vossa eminência retomar a cerimônia, mas é que a parentalha tá curiosa... senta aí e toma um vinho enquanto isso. E por falar em batinas, sim, os rumores de que ela integrou seitas hippies bastante duvidosas como o Polyphonic Spree e a banda do Sufjan Stevens são verdadeiros. Mas gente, poderia ser pior. Ela poderia ser crente, ou ter feito parceria com a Ana Carolina. E não há erro que não possa ser compensado. Afinal de contas, quem toca no disco dela é o pianista do David Bowie e super-herói, Mike Garson, e isso, meus caros amigos, amigas, e primos mineiros, chama-se tirar onda. Além do mais, minha graciosa noiva prometeu que seu próximo disco será inspirado no trabalho do Prince (ou seja lá como ele se chama agora). Muita classe! Até minha vó veio me dizer que acha a moça prendada. Que ela pode não preparar meu farnel ou passar minhas cuecas, mas que canta como um rouxinol imperial e toca aquele pinho elétrico como se fazia nos bons e velhos tempos. Vovó gosta dos Stooges. Valeu, vovó! Sim, estes últimos dias têm sido sublimes! Passeamos de mãos dadas, sem muito esforço, por Portishead, Billie Holiday, Jane’s Addiction e Beatles. Mas entre suas muitas qualidades, a melhor de todas é saber terminar algo com estilo. Na última canção do disco, intitulada What Me Worry? em homenagem ao grande filósofo desdentado e orelhudo, Alfred E. Neuman, ela termina cantando, “Have I fooled you, dear? The time is coming near when I'll give you my hand and I'll say, ‘It's been grand, but I'm out of here!’" Que lira! Bom, agora sem mais delongas, chegou a hora de beijar a....... ué, cadê ela?! Puta merda, não é que ela foi mesmo embora e me deixou plantado aqui no altar, falando pelos cotovelos .............................................humpf!............................................................... Espera pessoal, não vai embora! Sobrou alguma coisa daquele vinho, seu padre? Então, vocês sabiam que a Scarlett Johansson lançou um disco? Só de versões do Tom Waits, e com a participação do próprio David Bowie! Aquilo sim é que é mulher...

- lucas formaggini

contando causos de El Cohen


(a idéia é que este seja um segmento aberto e continuo do blogue. portanto, se você, caro leitor, tiver algum causo, real ou inventado, sobre Leonard Cohen, é só me mandar que postarei aqui)

1. O jovem poeta caminha rápido pelas ruas brancas do inverno de Montreal. Suas mãos procuram o abrigo mais próximo, nos bolsos do grosso e elegante sobretudo, prova da boa herança financeira e estética deixada por seu pai, que fora dono de uma bem sucedida loja de roupas da cidade. Os sons dos seus passos param secos no espaço, congelados a poucos metros de seus pés pelo frio que solidifica o próprio ar. Seus pensamentos procuram o calor de abrigos mais distantes: a Jerusalém das velhas escrituras, a Espanha de García Lorca, o corpo de uma boa mulher.

De repente, estas visões se dissipam no vapor condensado da respiração, e Cohen se vê diante de um oasis entre o cinza arquitetônico da cidade: um grande prédio de colunas brancas que, ao contrário do branco que cobre as ruas, se movem como gaivotas, ondas, velas de barcos. O prédio, na Place du Frère André, é o National Bank of Greece, e a maresia que sua construção evoca convida ele a entrar.

Dentro do banco, uma cena surreal contrasta com o rigor ártico que ameaça derrubar a porta. Um funcionário de cabelos negros e pele morena, vestindo roupas leves e grandes óculos escuros, sorri como se visse em sua frente, no lugar do caixa e de um embasbacado judeu canadense, o mar mediterrâneo banhado pelo sol. O judeu canadense, completamente agasalhado e embasbacado, olha com inveja a imagem da areia, das ondas e das pequenas navegações imaginadas, refletidas nas lentes escuras dos óculos do bancário.

Alguns dias depois, com US$ 1.500 recebidos como herança da sua avó, Cohen comprou uma casa sem luz nem encanamento, a 10 minutos do Mar Egeu, na Ilha de Hydra, na Grécia, onde morou por vários anos.

2. Um Rufus Wainwright adolescente e ainda completamente desconhecido faz uma visita à sua grande amiga, Lorca. Apesar de se conhecerem há vários anos, é a primeira vez que ele visita sua casa, e ela o recebe na porta com um abraço apertado e um beijo, que ele devolve nervoso e desajeitado. Não é a falta de intimidade nem o excesso de cerimônia que deixam ele sem jeito, mas a perspectiva de que em algum lugar dentro daquela casa está um de seus maiores ídolos, um nome que ele ouviu ser dito com reverência tantas vezes enquanto crescia em Montreal e que, por acaso, é o pai de sua amiga: Leonard Cohen.

Enquanto Wainwright é guiado em um tour pela casa, prepara-se para a qualquer momento se deparar com a figura clássica, provavelmente vestida com um elegante terno preto, que conhece tão bem das capas de discos e livros na sua estante. O senhor que eles encontram na cozinha não poderia ser mais diferente do esperado, mas é a imagem perfeita de tudo que aqueles livros e discos contém.

Enquanto prepara um miojo no fogão, Cohen está sentado de cueca, em frente à mesa sobre a qual se encontra um prato de mini-salsichas. Ele segura delicadamente um pequeno pássaro ferido, provavelmente caído do ninho, em uma das mãos, enquanto morde pequenos pedaços de salsicha e tenta dá-los de comer ao bichinho em um palito de dentes.

Ele desvia sua atenção do pássaro por um instante para cumprimentar o amigo de sua filha, depois conversa amigavelmente enquanto come seu miojo. Pedindo licença, o senhor seminu se levanta e deixa a cozinha com o passarinho na mão. Alguns minutos depois, ele reaparece, vestindo um elegantíssimo terno Armani, se despede, e sai.

- lucas formaggini

Pescando com os filhos de Lee Marvin, ou Tem um peixe no meu calção


Se algum cretino, por força do tédio, um dia aplicasse a John Lurie o velho ditado “diga-me com quem andas, que eu te direi quem és”, a resposta seria evidente. John Lurie anda com pessoas estranhas. Ele é um cara estranho.

E, como é de se esperar de pessoas estranhas que andam juntas, John Lurie e seus amigos se divertem de maneira muito pouco convencional, alguns diriam até idiota. Um bom exemplo disso é a sociedade semi-secreta fundada por Jim Jarmusch, da qual Lurie é um dos principais membros. Conhecida apenas como The Sons of Lee Marvin seu principal quesito de aceitação exige que o candidato tenha a estrutura facial parecida o bastante com a do ator Lee Marvin que pudesse passar por seu filho, ou pelo menos um primo distante. Sua principal atividade é a exibição de filmes estrelados por Marvin para uma seleta, e provavelmente muito drogada, platéia. Outros supostos integrantes incluem Tom Waits, Richard Bose, Nick Cave, Neil Young e Iggy Pop. Mulheres são proibidas de participar, sendo esta a maior causa de polêmica e discórdia entre o grupo. O verdadeiro filho do ator não pertence à sociedade e, provavelmente por recalque, não aprova muito a idéia, algo que deixou bem claro em um ocasional e pouco amigável encontro com Waits num dos muitos pé-sujos Californianos que o figurão rouco curte frequentar.

Mas já que não é bom ficar falando do segredo dos outros, ainda mais quando esses outros são completamente loucos e possivelmente violentos, cautelosamente desvio meu interesse para encontros muito mais públicos de John Lurie. Me refiro ao seriado sobre pescaria dirigido e estrelado por ele em 1991, sob o título bastante adequado, e um pouco debochado, de Fishing With John. Apesar de uma bizarra, mas extensiva, carreira no cinema, atuando em filmes de diretores como Jarmusch e Lynch, e compondo várias trilhas, como saxofonista dos psicodélicos Lounge Lizards, ele claramente não entende nada de direção televisiva, e muito menos de pescaria. Se você, como eu, se perguntou quem diabos financiaria uma idéia absurda dessas, mais uma vez a resposta é evidente: os japoneses, quem mais? Apesar do enorme sucesso na terra do sol nascente, e entre os americanos mais esquisitões, a série só durou seis episódios, nos quais John convidou alguns de seus amigos (dentre eles, dois “filhos” de Lee Marvin), que também não entendem patavinas de pescaria, para aventuras em lugares exóticos, atrás de peixes raros e perigosos.

A série é inspirada no clima bucólico dos programas de pescaria que passam nos canais americanos, em horários que pessoas como Lurie ainda não acordaram, ou ainda nem foram dormir. Até a narração à la Discovery Channel de Robb Webb seria extremamente enfadonha, se não fosse quase sempre completamente absurda. Durante uma sequência particularmente frustrante, em que Tom Waits e o protagonista esperam inutilmente que algum peixe morda suas iscas, sentados em uma peça de ferro velho flutuante no litoral da Jamaica, o narrador exclama, sem muito entusiasmo, que “existem peixes dentro d’água, mas quando eles não estão com fome, é impossível pegá-los”. Quando eles finalmente pegam um peixe e percebem que não tem aonde guardá-lo, Waits resolve que o lugar mais adequado para o bicho é dentro de suas calças. A verdade é que, como era de se esperar, pouquíssimos peixes são pegos durante toda a série. Poderíamos considerar que o objetivo do programa, como nas histórias edificantes em que pais levam seus filhos para pescar, seja fortalecer a relação de amizade entre Johnny e seus coleguinhas, não fosse pelo fato destes coleguinhas detestarem a experiência, e expressarem isso muito enfaticamente em diversas ocasiões. O único que parece realmente estreitar seus laços com o anfitrião, a um nível de intimidade e carinho que beira o homo erótico, é o surpreendentemente simpático Willem Dafoe, aquele com uma puta cara de vilão. Depois de uma trágica batalha contra o frio e a fome, os dois acabam morrendo juntos, em um final tão dramático quanto romântico. Lurie misteriosamente ressuscitaria na Tailândia para os dois episódios seguintes, aonde embarca em uma aventura mística a procura da lendária lula gigante, junto com ninguém menos que Dennis Hopper, que aliás também tem uma puta cara de vilão.

O programa talvez seja apenas uma boa maneira que John Lurie encontrou pra que alguém bancasse suas viagens de pesca, mas assistir a ele e Jarmusch tentando pegar um tubarão usando apenas uma fatia de queijo e uma pistola já é um bom motivo pra assistir. Um bom motivo pra não assistir é a participação extremamente sacal do chatérrimo Matt Dillon. Enquanto Lurie tenta desesperadamente tornar a viagem deles na Costa Rica um pouco mais interessante, o narrador comenta sarcasticamente que “parece que este vai ser um dos melhores episódios”.

Mas e agora, depois desta audaciosa e violenta guerra contra os elementos da natureza e do bom gosto, por onde e com quem anda John Lurie? Ele anda bastante solitário, isolado em seu apartamento, tentando se recuperar de uma misteriosa doença supostamente causada pelo uso de drogas injetáveis. Além da música e do ocasional trabalho como ator, resolveu agora virar pintor, algo que ele diz estar salvando sua vida. Suas pinturas, de qualidade bastante questionável, são algo entre a arte naif, o surrealismo e o infantilóide. A mais famosa chama-se Bear Surprise, e retrata um casal sendo surpreendido por um urso enquanto transam numa clareira. O urso, com os braços levantados, grita “Surprise!”. Este trabalho alcançou enorme sucesso entre os internautas russos, sendo reproduzido e recriado em camisetas, bonés e fotos de sacanagem. Mesmo sozinho, John Lurie continua sendo muito estranho.

- lucas formaggini

com tom waits:

parte 1


parte 2


parte 3